quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011

Morte de jovens negros tem cenário de 'extermínio'


Para cada jovem branco assassinado morrem dois negros; proporcionalmente, número chega a 20 na Paraíba


24 de fevereiro de 2011 | 12h 11
Lisandra Paraguassu, Rafal Moraes Moura e Lígia Formenti - O Estado de S.Paulo

BRASÍLIA - O Mapa da Violência 2011 mostra que a vitimização juvenil por homicídios continua a crescer. O número de homicídios entre a população negra é explosivo e, o que é pior ainda, a vitimização entre jovens negros tem índices muito altos, beirando um cenário de "extermínio". Após uma década (1998-2008), continua praticamente inalterada a marca histórica de 92% da masculinidade nas vítimas de homicídio.

Levando em conta o tamanho da população, o Mapa mostra que a taxa de homicídios entre os jovens passou de 30 (em 100 mil jovens), em 1980, para 52,9 no ano de 2008. Já a taxa na população não-jovem permaneceu praticamente constante. O estudo concluiu que o incremento da violência homicida no Brasil das últimas décadas teve "como motor exclusivo e excludente a morte de jovens".

Em 1998, a taxa de homicídios de jovens (idade 15 e 24 anos) era 232% maior que a taxa de homicídios da população não-jovem. Em 2008, as taxas juvenis já eram 258% maiores. Essa é média nacional, mas há Estados com índices de vitimização jovem acima de 300%, como Paraná e o Distrito Federal.

Na população não jovem, só 9,9% do total de óbitos são atribuíveis a causas externas (homicídios, suicídios e acidentes de transporte). Já entre os jovens, as causas externas são responsáveis por 73,6% das mortes. Se na população não-jovem só 1,8% dos óbitos são causados por homicídios, entre os jovens, os homicídios são responsáveis por 39,7% das mortes.

O Estado de menor vitimização juvenil, Roraima, no ano de 2008, tinha proporcionalmente 66% mais vítimas juvenis. No outro extremo, Amapá e Paraná e Distrito Federal ostentam quatro vezes mais mortes juvenis do que as outras faixas.

Negros e jovens. A partir de 2002 fica evidente um forte crescimento na vitimização da população negra. Se em 2002 morriam proporcionalmente 46% mais negros que brancos, esse percentual eleva-se para 67% em 2005 e mais ainda, para 103% em 2008. Assim, morrem proporcionalmente mais do dobro de negros do que brancos.

Segundo o Mapa da Violência/2011, isso acontece porque, por um lado, as taxas de homicídios brancos caíram de 20,6 homicídios em 100 mil brancos em 2002 para 15,9 em 2008. Já entre os negros, as taxas subiram: de 30 em 100 mil negros em 2002 para 33,6 em 2008.

Entre os jovens, esse processo de vitimização por raça/cor foi mais grave ainda. O diferencial (índice de vitimização) que em 2002 era também de 46% eleva-se para 78% em 2005 e pula para 127% em 2008. Mas essas são médias nacionais.

"Esmiuçando os dados, vemos que há estados como Paraíba ou Alagoas em que por cada jovem branco assassinado morrem proporcionalmente mais de 13 jovens negros (13 em Alagoas, mas são 20 na Paraíba", descreve o Mapa.


quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011

Fidel a intelectuais: É preciso começar já a salvar a humanidade

O líder cubano Fidel Castro reapareceu nesta terça-feira (15), animado e bem disposto, em um encontro com intelectuais de vários países que participavam, em Havana, da Feira Internacional do Livro. No encontro, o ex-presidente da ilha advertiu a respeito dos riscos que a humanidade corre, diante de ameaças como uma eventual guerra nuclear e a crise alimentar provocada pela mudança climática.


Em seu primeiro ato público deste ano, transmitido pela emissora de TV estatal, Fidel abordou assuntos como a alta dos preços dos alimentos, a mudança climática e as revoltas populares ocorridas no Egito e na Tunísia.

"Nossa espécie não aprendeu a sobreviver", afirmou durante o evento. Ele enfatizou que os intelectuais "podem ter um papel decisivo" na tomada da consciência mundial e pediu a eles que contribuam para "persuadir as criaturas mais autossuficientes e incapazes que já existiram: nós, os políticos" sobre perigos que ameaçam a sobrevivência da espécie..

"Não se trata de salvar a humanidade em termos de séculos ou milênios: é preciso começar a salvar a humanidade já", disse Fidel, agora com 84 anos, a escritores da Argentina, Venezuela, Peru, México, Espanha e Cuba.

O líder cubano ressaltou que as consequências da crise alimentar vão muito além de questões econômicas. Nesse sentido aludiu à influência da alta dos preços dos alimentos no desencadeamento das revoltas contra os governos do Oriente. Além disso, referiu-se ao aumento incessante da população mundial, o que acentua o problema.

Assim como na última de suas "reflexões", dedicada à revolução no Egito, Fidel definiu o ex-presidente Hosni Mubarak como "um grande estrategista" para esconder dinheiro, enquanto 80% dos egípcios vivem na pobreza.

Nesta quarta, Castro se encontra mais uma vez com os intelectuais e terá a transmissão da televisão estatal.

Leia abaixo a fala inicial de Fidel no encontro com intelectuais:

Texto Introdutório do Comandante em Chefe Fidel Castro, em debate com intelectuais, realizado na terça-feira, 15 de fevereiro de 2011

Soube que vários intelectuais de prestígio e amigos sinceros de Cuba visitou nossa capital para participar da XX Feira Internacional do Livro de Havana.

Esta feira é uma das modestas coisas boas que temos impulsionado. Os livros e as ideias que vocês elaboram e promovem têm sido fontes de alento e de esperança; graças a eles, conhecemos o que vale o enxerto de talento e bondade. Seus nomes se familiarizam e se repetem ao longo da vida, durante anos, que sempre nos parecem curtos.

Entre os fatores que ameaçam o mundo, estão as guerras. Os cientistas foram capazes de colocar nas mãos do homem colossais energias, que estão servindo, entre outras coisas, para criar um instrumento autodestrutivo e cruel como a arma nuclear.

Os intelectuais podem, talvez, prestar um grande serviço à humanidade. Não se trata de salvar a humanidade em termos de milênios, nem sequer em termos de séculos. O problema é que nossa espécie se encontra ante problemas novos, e não aprendeu sequer a sobreviver.
Se conseguirmos que os intelectuais compreendam o risco que estamos vivendo neste momento, em que a resposta não pode ser adiada, talvez eles consigam persuadir as criaturas mais autossuficientes e incapazes que já existiram: nós, os políticos.

Como?

Coube a mim, há quase 20 anos, a desagradável tarefa de advertir ao mundo, na Conferência das Nações Unidas sobre Ambiente e Desenvolvimento, que nossa espécie está em perigo de extinção.

Argumentei então, ainda que o perigo não fosse iminente como agora, e fui escutado com atenção, embora talvez seja melhor dizer que com benevolência.

Houve aplausos. Um homem tinha percebido isso. Os super poderosos se reuniram ali reunidos se deram conta que era verdade, mas um problema que eles, naturalmente, se ocupariam de resolver nos séculos que tinham pela frente.

A cara sorridente de Bush pai e a figura do chanceler alemão Helmut Kohl, marchando rapidamente por um amplo corredor, à frente do grupo após a última foto, propiciava a impressão de que nada poderia perturbar o feliz sossego do nosso mundo esplêndido.

Tão tonto como os demais mortais, fiquei com a ideia de que talvez tivesse exagerado. Passaram-se apenas 19 anos e vejo hoje as coisas perturbadoras que já estão acontecendo e não admitem demora nenhuma.

Mais vale parecer louco que sê-lo e não parecê-lo. Se pensarmos que já estamos a um passo do abismo, e nosso cálculo não fora exato, nenhum dano faríamos à humanidade. Quando nos aproximamos já aos 7 bilhões de habitantes, não é questão começar a filosofar sobre Malthus e as possibilidades de soja, do trigo e do milho geneticamente modificados.

Os norte-americanos, que nisso são os mais avançados, sabem bem qual é o limite de suas possibilidades.

É hora de prestar atenção aos ambientalistas e cientistas, como Lester Brown, a maior autoridade mundial nesta matéria e na produção de alimentos.

Eminentes pensadores veem claramente que o sistema capitalista desenvolvido marcha até um desastre inevitável. Ninguém teria sido capaz de antecipar as situações novas que são criadas ao longo do caminho, e nada é negado, pelo contrário, só se confirmam as crises que nos converteram em revolucionários. Agora não se trata da inevitabilidade da mudança na sociedade, mas do direito da espécie a uma vida diferente para a qual nós não deixamos de lutar.

Nem mesmo entre as religiões que postulam o Apocalipse, uma idéia em que muitos acreditam, ninguém, que eu saiba, sugeriu que seria neste milênio e, muito menos, neste século.

Pensei muito estes dias nos eventos que estão acontecendo e lhes peço que façam o mesmo, sem medo de estar pedindo um esforço inútil. Eu tenho o hábito de ler quantas análises de ecologistas e cientistas chegam às minhas mãos.

Ontem, quando eu refletia sobre o que aconteceu na Tunísia e no Egipto, me chamou a atenção um recente artigo de Paul Krugman, famoso escritor e economista sério, cujas análises sobre as medidas de Roosevelt, com a Grande Depressão e a guerra, refletiam um especial conhecimento da economia dos EUA e do papel desempenhado pelo autor do New Deal. Não é marxista nem socialista. Ele recebeu o Prêmio Nobel de Economia em 2008. Vejam (aqui no Vermelho) o que escreveu sobre a crise alimentar a pessoa talvez mais autorizada a fazê-lo.

Passaram quase 19 anos desde a Cúpula do Rio de Janeiro e estamos diante do problema. Ali estávamos levantando esses problemas, sem imaginar que o fim da espécie pode acontecer dentro de um século ou de décadas, se antes não ocorrer uma guerra.

O aumento dos preços dos alimentos agravará imediatamente, sem qualquer dúvida, a situação política internacional. Se, como resultado disso tudo se agravam os problemas, eu me pergunto: devemos ignorá-los?

Gostaria de focar nosso debate neste tema.

É preciso começar já a salvar a humanidade.


Com agências